John Tvedtnes
Tradutor: Elson C. Ferreira - Curitiba/Brasil - Dezembro/2010
O correto entendimento das direções da bússola é essencial para o entendimento da geografia retratada no Livro de Mórmon. As primeiras indicações direcionais são encontradas no relato de Néfi sobre as viagens de sua família através do deserto deixando Jerusalém, onde lemos que do acampamento no Mar Vermelho eles viajaram “na direção aproximada sul-sudeste”[2] então prosseguiram “na mesma direção, se mantendo nas partes mais férteis do deserto, que ficava nas margens do Mar Vermelho” (tradução livre de 1 Néfi 16:13-14). Após a morte de Ismael em “Nahom” (1 Néfi 16:34), eles viajaram “aproximadamente a leste daquele tempo em diante” (tradução livre de 1 Néfi 17:1). As informações de Néfi são bastante simples, e quando combinada com a recente descoberta de um local que corresponde com “Nahom” no norte do Iêmen, é possível determinar a rota do grupo de Leí, bem como a região que eles denominaram de Abundância, de onde eles partiram para o Novo Mundo.
A geografia do Novo Mundo descrita no Livro de Mórmon é mais complicada. Enquanto todas as quatro direções cardinais são mencionadas em algumas passagens (2 Néfi 29:11; Mosias 27:6; Helamã 1:31; 3 Néfi 20:13), nós temos vagas referências aos “países do norte” (Mórmon 2:3) e “este país do norte” (Éter 1:1). Nós lemos a respeito de um “norte da terra” e de um “sul da terra” (Helamã 6:9-12; 3 Néfi 1:17; 4:1), bem como de uma “terra do norte” e uma “terra do sul” (Ômni 1:22; Alma 22:33; 46:22; 50:29, 31, 33-34; 52:2, 9; 63:5, 7, 9-10; Helamã 3:3, 8-11; 5:16; 6:6; 7:1-2; 3 Néfi 3:24; 4:23-24; 6:2; 8:11-12; Mórmon 2:29). No livro de Helamã nós lemos que “a terra do sul foi chamada de Leí e a terra do norte foi chamada de Muleque, o que foi conforme o filho de Zedequias; pois o Senhor levou Muleque para a terra do norte, e Leí para a terra do sul.” (tradução livre de Helamã 6:10)
Uma passagem anterior nos informa que “a terra do norte se chamou Desolação e a terra do sul se chamou Abundância, sendo o deserto que é cheio de todo tipo de animais selvagens de toda espécie, uma parte dos quais havia vindo da terra do norte à procura de alimento. E assim, a distância entre o mar do leste e o mar do oeste, pela fronteira entre Abundância e a terra de Desolação, era o equivalente a um dia e meio de viagem para um nefita. E assim, a terra de Néfi e a terra de Zaraenla estavam quase que rodeadas por água, havendo uma pequena faixa de terra entre a terra do norte e a terra do sul.” (Alma 22:31-32)
“E assim isolou todas as fortificações dos lamanitas no deserto leste; sim, e também no oeste, fortificando a linha divisória dos nefitas e lamanitas entre a terra de Zaraenla e a terra de Néfi, desde o mar do oeste, passando pela cabeceira do rio Sidon—ocupando os nefitas toda a terra do norte, sim, toda a terra situada ao norte da terra de Abundância, de acordo com sua vontade. E eis que teriam executado esse plano (o que teria sido lamentável), mas eis que Moriânton, que era um homem muito violento, zangou-se com uma de suas servas e sobre ela atirou-se, espancando-a. E aconteceu que não os interceptaram até eles chegarem às fronteiras da terra de Desolação; e lá os detiveram, na estreita passagem que levava à terra do norte, perto do mar, sim, perto do mar tanto a leste como a oeste.” (Alma 50:11, 30, 34)
Vários estudiosos Santos dos Últimos Dias têm observado que apenas a Mesoamérica, ou seja, a região que compreende o sul do México, a Guatemala e Belize, satisfazem as expectativas arqueológicas e geográficas para a terra habitada pelos nefitas e lamanitas na época do Livro de Mórmon. Isto, portanto, apresenta um pequeno problema com respeito às direções, pois a massa de terra segue do noroeste para o sudeste, o que torna difícil explicar termos que denotam as direções caardinais. Joseph Allen sugere que as direções cardinais usadas pelos nefitas eram idênticas às usadas na Bíblia, mas que “terra do norte” denota a terra a noroeste, e “terra do sul” denota a terra a sudeste.[3]
John L. Sorenson sugere que, desde que o termo hebreu que significa “mar” algumas vezes é usado para denotar a direção “oeste” na Bíblia, Leí pode ter orientado as direções de acordo com o mar pelo qual ele viajou para a Mesoamérica. Assim, com o mar atrás de si na direção sudeste, o leste seria nordeste e o norte e o sul seriam noroeste e sudeste respectivamente.[4] David A. Palmer apresentou o mesmo argumento, o qual subsequentemente eu refutei.[5]
O problema, na minha opinião, é que os povos antigos teriam se orientado para o leste, não para o oeste. Isto fica claro através do idioma hebreu, onde existem dois conjuntos de termos para as quatro direções; o primeiro conjunto derivando da orientação de si mesmo para o pôr do sol. Desse modo, uma palavra para “leste” é qedem (“frente”), outra para “sul” é yāmīn (“mão direita”), uma para “norte” é śemō’l (“mão esquerda”), e outra para “oeste” é yām (“mar”), que em Israel fica atrás de alguém que olha para o leste. Parece muito improvável que o povo de Leí tivesse se orientado para qualquer lugar que não para o leste.
Um fenômeno natural que pode passar desapercebido, se não houver o questionamento necessário: o ângulo de 23 graus do eixo de inclinação da terra torna possível a passagem das estações do ano.
Uma explicação muito simples que não muda a orientação de alguém (a palavra vem de “orient,” significando “leste”) é que nenhum dos termos hebreus denotam precisamente os pontos cardeais da bússola. Nós dizemos que o sol nasce no leste mas descobrimos que ele se ergue no leste exato apenas duas vezes por ano, nos equinócios de primavera e outono. Porque o eixo da terra é inclinado em 23 graus em relação ao plano eclíptico (a órbita dos planetas ao redor do sol), o sol realmente nasce a 23 graus a norte ou sul do leste na época do verão e no solstício de inverno. Isto significa que “leste” cobre um arco de 46 graus, significando que “oeste” igualmente cobre 46 graus de um arco. Com 360 graus do arco do horizonte, “leste” e “oeste” totalizam 92 graus, deixando 268 graus para “norte” e “sul”, ou seja, 134 graus cada. Este esquema, baseado em fenômenos observáveis na natureza, pode ser uma importante chave para o entendimento da geografia do Livro de Mórmon.
No seu movimento de translação ao redor do sol, há dois momentos no ano em que o ângulo de inclinação da terra em relação ao sol é igual a zero, entre os meses de Março/Abril e Setembro/Outubro. Durante os os meses antecedentes e precedentes aos equinócios, nos dois hemisférios há a predominância de climas temperados representados pelas estações outono e primavera nos hemisférios opostos. Equinócio tem sua raiz do latim, que significa “igualdade”, ou seja, neste dia a duração do dia e da noite são exatamente iguais: 12 horas. Nosso equinócio de outono acontece no dia 21 de Março e o de primavera no dia 21 de Setembro .
Solstício vem do latim, significa “sol que permanece parado”. Ou seja, na sua incursão pelo céu, em dois momentos do ano durante o seu afastamento ou aproximação, o sol dá a impressão de que “pára” a sua trajetória e retorna para o caminho anterior. Um exemplo bem próximo de nós pode ser observado neste mês de Junho. Temos observado como que o sol se afastando cada vez mais para o norte desde o mês de Maio. No entanto, no dia 21 de Junho haverá o nosso solstício de inverno, quando o sol chegará ao fim do seu caminho rumo ao norte, “parará” durante um dia, e dará a impressão de que recomeçará a se aproximar de nós. Simultaneamente ao nosso solstício de inverno estará acontecendo o solstício de verão no hemisfério norte. No hemisfério sul, o solstício de verão ocorre no dia 21 de Dezembro. Nesta data ocorre o dia mais longo do ano, assim como no hemisfério norte este é o solstício de inverno, quando ocorre o dia mais curto do ano.
[1] Esse artigo foi escrito e aprovado como atualização do do boletim da FRMS/2002, mas não foi publicado.
[2] Os hebreus conhecem apenas as quatro direções cardinais, então “sudestet” parece fora de lugar num texto israelita do sexto século antes de Cristo. Provavelmente o original era “sul e leste”, como em Alma 2:36, onde lemos sobre “o deserto que fica a oeste e norte” (tradução livre). Este uso é conhecido no hebreu bíblico; veja Isaías 49:12, “estes do nore e do oeste”, significando “do noroeste” (cf. Deuteronômio 33:23). É de particular interesse que Ezequiel e Daniel, dois dos profetas contemporâneos de Néfi, usassem esse método de denotar as quatro direções secundárias.
“E a porta do átrio interior estava defronte da porta do norte bem como da do oriente; e mediu de porta a porta cem côvados.” (Ezequiel 40:23)
“E conforme as portas das câmaras, que olhavam para o caminho do sul, havia também uma entrada no topo do caminho, isto é, do caminho em frente do muro direito, para o caminho do oriente, quando se entra por elas.” (Ezequiel 42:12)
“E de um deles saiu um chifre muito pequeno, o qual cresceu muito para o sul, e para o oriente, e para a terra formosa.” (Daniel 8:9)
“E de um deles saiu um chifre muito pequeno, o qual cresceu muito para o sul, e para o oriente, e para a terra formosa.” (Daniel 11:44).
[3] Ver mapa de Joseph L. Allen, Exploring the Lands of the Book of Mormon (Orem, UT: S.A. Publishers, 1989), 173, e a discussão do capítulos 18 (“The Land Northward”) e 19 (“The Land Southward”), ibid., 215-254.
[4] Ver “Directions in the Book of Mormon” John L. Sorenson, An Ancient American Setting for the Book of Mormon (Salt Lake City: FARMS and Deseret, 1985), 36-42.
[5] David A. Palmer, Search of Cumorah: New Evidences for the Book of Mormon from Ancient Mexico (Bountiful, UT: Horizon, 1981), 34-7, e a revisão de John A. Tvedtnes, Newsletter and Proceedings of the Society for Early Historic Archaeology No. 149 (June 1982), 9.
Nenhum comentário:
Postar um comentário