F. Richard Hauck, PhD
Traduzido por Elson Ferreira – Curitiba/Brasil
Eu não poderia imaginar em 1981, enquanto guardava nossas redes de dormir, botas e ponchos no motorhome na gelada cidade de Bountiful, Utah (a Quarta terra de Abundância), que logo eu pudesse identificar um enorme complexo de fortificações nos altiplanos da Guatemala. Eu não tinha concepção de que aquele complexo fortificado em Mânti, em vez de ter apenas uma ou duas milhas quadradas, na verdade se estende por mais de dez milhas, ao longo da antiga trilha nefita/lamanita que dá acesso ao deserto montanhoso.
Eu não poderia imaginar o tamanho das primeiras fortificações que protegiam o restante do povoado de Mânti; um complexo que fortifica todo o perímetro do Vale de Coban por uma distância de, pelo menos, nove milhas. Ninguém poderia imaginar que evidências de uma paliçada de madeira ainda seria identificável, ou que a estreita passagem que levava para o coração do principal povoamento de Mânti, em grande parte ainda pudesse estar intacto e exposto à vista.
Eu não poderia imaginar que dentro das próximas semanas, porções da Terra de Zaraenla estaria aberta aos nossos olhos e à nossa avaliação. Quem poderia ter imaginado que aquela experiência de três dias nas proximidades de Nueva Cerros haveria de nos fornecer o suficiente para os próximos 11 anos de pesquisa? Isto devido às ameaças das guerrilhas comunistas que infestam aquela região. Quem poderia pensar que na próxima vez em que eu entrasse naquele vasto sítio arqueológico, seria no início de 1993 como guia dos Proctors em preparação para a publicação de Light from the Dust?
Eu não poderia imaginar em 1981, o mato que teria de cortar, as estradas pelas quais teria que dirigir, os rios em que navegaria, e as montanhas que teria que escalar.
Nem poderia imaginar as tormentas de chuva, as inundações, os mosquitos e as picadas, a lama, as doenças, a raiva, o medo, o calor causticante, noites frias – noites terríveis na selva, mares traiçoeiros, cenários impressionantes, ataques de helicópteros militares procurando por guerrilhas comunistas dos quais precisávamos nos esconder, revistas em pontos de armas, equipamentos de campo confiscados por militares e alfândegas, viagens à noite em carros alugados e veículos blindados através de um sem número de pontos de fiscalização controlados por nativos armados e pobremente treinados, veículos quebrados em lugares a salvo e em zonas onde pessoas desconhecidas poderiam parar e esperar durante a noite em busca de proteção, horas sem fim em garagens, camas ruins em péssimos hotéis, camas maravilhosas em hotéis no litoral, lanches típicos da Guatemala, a bondade e o cuidado dos nativos, o amor e a doação dos Santos, a solidão por estar longe da esposa e dos filhos.
Eu poderia ter imaginado estar explorando os possíveis povoamentos de Cumêni e Desolação, ou as terras de Cumôra, Desolação, Abundância (Abundância do Mar do Leste e Abundância do Oeste) Nefiá, e Néfi?
Eu não poderia imaginar que três anos de preparação de manuscritos levariam em 1988 à publicação na Deseret Book do meu volume inicial na base teórica desta pesquisa Deciphering the Geography of the Book of Mormon? (Decifrando a Geografia do Livro de Mórmon). Nem poderia alguém imaginar o apoio e a assistência de estranhos, amigos e associados que tornariam em realidade essa publicação. Eu não poderia antecipar a bondade dos seus leitores nem o veneno e o ódio dos seus detratores.
Naquele gelado Janeiro de 1981, enquanto viajamos para o sul no “motorhome”, deixando para trás nossa família e toda a neve de Utah, depois Colorado, Novo México e então o Texas, como nós podíamos adivinhar o que estava para começar?
Nas Encruzilhadas
Um grupo de pessoas pára na encruzilhada tentando determinar qual rumo tomar. Enquanto me aproximo, um indivíduo me chama: "O que você pode nos dizer a respeito de arqueologia?"
"Arqueologia, respondi, é um processo de aprendizado, ele é tudo a respeito do entendimento do homem e sua cultura através do estudo dos restos de tudo o que foi feito, fabricado ou escrito. Arqueologia é tanto simples quanto complexa; ela é tão diversa quanto os indivíduos que seguem suas pegadas. Os arqueólogos, por todas essas diferenças, procuram uma meta em comum: a meta de aprender algo que foi perdido, ou esquecido, ou que não foi conhecido, algumas vezes, por gerações; a meta de retornar aquele conhecimento para o mundo dos vivos. Como nós conseguimos chegar a esta meta e o que fazemos com o conhecimento alcançado depois dessa realização depende do indivíduo."
Outra pessoa pergunta: "O que você pode dizer a respeito do Livro de Mórmon?"
"O Livro de Mórmon também é um processo de aprendizado", respondi. "Ele é tão simples como entender a alegria, a fé, a esperança; ele é tão complexo como compreender o homem, a vida e sua luta. Ele é como um espelho da humanidade: ele reflete tanto a nossa vaidade quanto nossa sinceridade, nossa bondade e a nossa depravação. Apesar de que o livro é radical em seu âmbito temporal, cobrindo mil anos do progresso nefita, ligado a vários milhares de anos de permanência jaredita, ele é restrito em seu escopo geográfico. Todos esses anos de história antiga se passaram dentro dos modernos países da Guatemala, Belize e sul do México, uma área menor do que Utah e Colorado juntos, mas muito mais diverso e conturbado.
"Apesar de restrito em seu âmbito geográfico”, continuei, "o livro é sutilmente expansivo em sua profundidade cultural e social. Ele demonstra a existência de tribos primitivas habitando territórios que reivindicavam bem antes da chegada dos intrusos povos jareditas, mulekitas e nefitas /lamanitas. Estes primitivos, que subsistiam dia a dia da caça, pesca e agricultura, eram esponjas culturais absorvendo o descontentamento das mais complexas civilizações que são os atuais focos do livro. Algumas vezes a violenta interação interna e entre estes povos revela aspectos de suas culturas que não são diretamente endereçadas pelos historiadores. Esse é o caso da guerra de 72 a 60 a.C. que está contida em Alma, capítulos 47 a 62. Esta saga de guerra, rebelião e derramamento de sangue provê maravilhosas descrições quanto à geografia, fortificações e táticas de guerra, descrições que nunca teriam sido incluídas no texto sob circunstâncias mais tranqüilas".
"Igual à arqueologia”, continuei, "O Livro de Mórmon é todo descoberta. Como cada época está aberta, aprendemos de novo os conceitos de sua religião. E lê também contém no seu âmago o conhecimento de seus povos e seus lugares. Não é suficiente provar a sabedoria e testar novamente a compaixão de sua Divindade. Aquela mesma Divindade que criou a todos nós – aquela mesma Deidade que intencionou para nós usarmos todas as nossas capacidades únicas para que alcançássemos aquele livro e trouxéssemos todo os seus significados, todos sos seus conhecimentos e propósitos".
Alguém no grupo pegou minha intenção e perguntou "O que pode você pode nos dizer sobre descobertas? Nos fale sobre usar a arqueologia para encontrar e entender os lugares do Livro de Mórmon!".
"Eu contarei sobre as descobertas e sobre o livro”, respondi, “mas vocês devem estar cientes de que não há nenhuma explanação simples e fácil. As explicações fáceis estão prontamente disponíveis, mas no fim, elas não expandem nosso conhecimento a respeito do Livro de Mórmon, mas restringem nossa capacidade de expandir nossa ciência. Você precisa pelo menos de paciência para me entender – assim como eu devo ter, para relatar minha busca no mundo do passado que existe neste longínquo lado do horizonte”.
Momentos de Descoberta
Quando alguém menciona descoberta arqueológica, eu lembro das antigas fortificações de Mânti mencionadas no Livro de Mórmon, discutidas em Alma, capítulo 58, e um momento de descoberta que ocorreu para mim há uns 12 anos. Apesar de que os anos nesse intervalo de tempo terem sido cheios de exploração e pesquisa, variando em locais entre a América do Norte e Central, a maioria dos quais não era associada com os povos do Livro de Mórmon, minha memória ainda retorna vividamente a identificação das fortificações nefitas de Mânti. É um dos pontos altos de minha carreira como arqueólogo.
A luz da manhã dissipa a neblina no vale sul de Coban,
Gutemala. Das detalhadas pistas dadas nos capítulos
43 e 44 de Alma a respeito da batalha entre os nefitas
e os lamanitas, entendemos que aquela batalha pode
ter acontecido neste vale.
A descoberta das fortificações de Mânti aconteceu em Janeiro de 1981. Meu pai, Forrest Hauck, e eu tínhamos acabado de retornar para seu “motorhome” depois de um dia de difícil caminhada através das florestas escuras no altiplano da Guatemala. A experiência está permanentemente gravada na minha mente.
O “motorhome” está estacionado no centro de um grande gramado certado por um denso bosque de pinho, perpendicular ao declive da montanha. Greg, meu filho mais velho, está esperando por nós no veículo. É tarde do dia e Greg, de 11 anos de idade, não espera facilmente quando está com fome, entediado e cansado. Papai e eu também estamos cansados, enlameados e famintos. Ligeiramente irritável, eu estou com fome e meio desapontado com nosso primeiro dia de exploração.
Quase dois anos de análises de localizações geográficas do Livro de Mórmon apontam para este local estratégico como o mais provável local para a terra e o povoado da antiga Mânti. As fortificações de Morôni e Mânti para a guerra de 72 a 60 a.C incluem "retiradas e fortalezas" ou fortins de algum tipo, conforme identificados por Helamã durante sua luta para reconquistar a terra. (veja Alma 58:1,6). Somados a essas “fortalezas”, Morôni fortificou as posições nefitas usando “fortins” ou lugares para se esconder; levantando bancos de terra ao redor para fechar seus exércitos, bem como muros de pedras” (Alma 48:8, 50:1-6). Os povoados de Noé e Amonía eram protegidos por profundos diques ou trincheiras, altos bancos de terra e estacas de madeira ou paliçadas, conforme está registrado em Alma 49.
Minha experiência militar me assegura que esta localização altamente estratégica é o local em que os nefitas poderiam fortificar para proteger a entrada da terra Mânti, se minha tentativa de correlação da antiga Mânti como esta região estiver correta. Minha formação arqueológica é enfática: se fortins, trincheiras e estacadas foram construídas aqui a mais de dois mil anos, eu posso identificar o que sobrou dessas construções na superfície da terra. O cético que está dentro de mim declara que esta é uma cara perseguição ao ganso selvagem, que está nos levando para longe de casa, para um politicamente instável e potencialmente perigoso empreendimento.
Bem agora, enquanto eu uso minha pá para tirar a lama negra das minhas botas impregnadas, eu fico desencorajado e ouço ao cético que está dentro de mim.
Oh, vimos coisas desconhecidas neste dia. Ele não foi totalmente perdido. Vimos algumas depressões enfileiradas nas encostas da montanha e linhas de topo. Depressões lineares que terminam tão abruptamente como começam nos montes arborizados, cobertos de samambaia. Eles estão lá por alguns anos, mas é difícil saber há quanto tempo, possivelmente 100 anos, pode ser 2.000; é impossível saber sua idade sem encontrar material datáveis associados.
Nada faz muito sentido para mim no fim da tarde; e o cético diz, esqueça.
Papai e Greg estão no “motorhome”. Papai está preparando o jantar. Greg está matracando sobre seu dia maçante por não ter ninguém com quem brincar. Eu não estou pronto para entrar. Estou relutante em encerrar o dia. Sintonizando o cético, saio do veículo para apreciar ao sol poente.
Estas horas da tarde sempre foram a minha parte favorita do dia; é o tempo em que feixes inclinados de raios de sol transformam o mundo num matiz dourado. Este é o tempo que nos dá a promessa de um dia melhor. Aqui na Guatemala, a riqueza dos raios de sol é muito intensa. Para meu alívio, meu olhar fixou-se em direção dos altos pinheiros nos declives – pinheiros que ficam quase negros em grossos sombreados. Neste terraço aberto, a rica luz ilumina o gramado de esmeralda pintando e iluminando cada ondulação, cada depressão da superfície da terra.
Foi aí então que eu comecei a ver. Uma alteração muito sutil está ocorrendo na paisagem. Não é o que eu vejo, tanto quanto o que eu não vejo. Os raios angulados saltam através dos campos gramados revelando o perfil sombreado de um enorme complexo arqueológico. Não é um complexo de montes e terraços na superfície da terra, mas um complexo de antigas escavações dentro da terra. Estas escavações são tão superficiais para chamar a atenção durante a luz do dia, mas agora todas são reveladas pela exposição de sombras em oposição à superfície ainda iluminada.
Antigas trincheiras remanescentes de um
sistema defensivo de fortificações ainda
são evidentes nos vales ao redor de
Coban, Guatemala.
As escavações eram depressões amplas e lineares. Elas eram muito largas para serem valetas e o modo pelo qual se estendiam ladeira acima e ladeira abaixo demonstrava que não eram canais usados para dirigir o fluxo da água. Não, controle de fluxo de água não era o propósito por trás da existência dessa rede de canais. Estes canais subterrâneos são trincheiras que foram cavados cuidadosamente e com muito esforço por muitos homens até a superfície e encostas destas pradarias. Eu descobri que estava perto de um destes prados. Ele revela uma depressão com seis a oito pés de largura que avança a oeste através do terraço em direção ao declive do monte. Lá a sombra se torna um abrupto ângulo de 90 graus e muda para o norte encosta acima.
Enquanto eu olhava para as sombras onde o sol não podia penetrar, eu pude traçar o contorno da longa depressão para outro giro abrupto para o leste. Nesse momento o sol revela outra sombra parecida com a depressão de uma trincheira que se estende para fora do terraço, além da minha visão.Eu descobri também que estas depressões não são construções recentes. Elas são muito delicadas, tão abundantes, perdidas no tempo. Sua antiguidade é demonstrada pelo grau em que foram ficando rasas devido aos anos da ação da erosão. O passar do tempo, o clima e o homem contribuíram para preencher estas depressões até quase um pé de profundidade em comparação com a superfície original. Com minha fome esquecida, meu ceticismo silenciado, eu me dirigi para a antiga trincheira e comecei o processo de avaliação arqueológica. Dentro minutos eu tinha identificado pedaços de cerâmica que, baseado em sua forma, decoração e cor, eram anteriores ao período Pré-clássico, ou de quase 2.000 anos.
Alguém me chama. Meu pai está na porta do motorhome” avisando que o jantar está na mesa. Eu aceno para ele e volto para o complexo sombreado.
Estas são as minhas memórias daquela experiência em 1981. Mas esta descoberta não é o começo, e certamente não é o fim. Parafrazeando Winston Churchill, esta experiência marca para mim o fim do começo; ela também pode ser o começo do fim.
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